Nem sempre vemos o que pensamos ver. Quando olhamos para uma cena, temos tendência a pensar que a vemos na sua totalidade, com apenas um olhar, mas na realidade, selecionamos pequenos detalhes e o nosso cérebro constrói o restante com dados previamente recolhidos na memória.
Princípios de Neuromarketing: Neurociência Cognitiva aplicada ao Consumo, Espaços e Design
Como a visão afeta a nossa coordenação no espaço?https://icnagency.com/wp-content/uploads/2019/02/NOVOS-ICN-1.jpg14001980Julien DiogoJulien Diogohttps://secure.gravatar.com/avatar/b2f50e47f187d7b4429139b3789ed7cf?s=96&d=mm&r=g
Diariamente exploramos ativamente o mundo movendo os olhos, a cabeça e o corpo sendo esta exploração o que nos dá novas fontes de informação.
Para localizar um objeto no mundo exterior temos de saber qual é a posição dos olhos nas órbitas e a posição da cabeça em relação ao corpo (a profundidade do campo visual é também um outro problema).
Acontece que nós transformamos uma imagem visual de algo que está centrado nos olhos em algo que está centrado no corpo e, por isso, em relação ao qual podemos agir.
Richard Andersen teorizou como o espaço visual é transformado de coordenadas visuais em coordenadas corporais. Nós vemos coisas porque os recetores da retina entram em funcionamento com fotões de luz e o nosso cérebro representa essa informação no córtex visual. No entanto, se movermos os olhos, os recetores numa parte diferente da retina irão entrar em funcionamento e é criada noca informação que é guardada numa parte diferente do córtex visual – mas continuamos a saber que os objetos que vemos estão no mesmo lugar. Então, como é que o cérebro garante que continuemos a fazer atividades que nos obriguem a saber exatamente onde estão os objetos ao mesmo tempo que estas mudanças acontecem?
Foi proposto por Zipser e Andersen, em 1988, que existe um mecanismo chamado Ganho de codificação do espaço que torna possível que os neurónios representem tanto a localização dos objetos na retina como no angulo de visualização (e.g., para onde estamos a olhar no espaço). Para que isto seja possível, o ângulo de visualização tem que ser atualizado rapidamente a cada movimento ocular.
Arnulf Graf e Richard Andersen do California Institute of Technology mostram que o código neuronal dos movimentos oculares e posição do olho na região do cérebro chamada córtex parietal é muito precisa e correta e atualizada rapidamente quando os movimentos oculares são executados. Este mecanismo é o que nos permite que tenhamos perceção do espaço e do objeto sem sequer darmos conta do processo.
Existem diferentes vias do cérebro em relação à perceção de objetos:
Localização do objeto e reação em relação a ele (e.g., pegar nele);
Identificar o objeto (e.g., saber que é uma chávena de café).
Milner e Goodale, em 2008, afirmam que a informação visual é transformada em diferentes formas para diferentes fins, o que sugere uma distinção no sistema visual em visão para a percepção e visão para a ação. Consideram que a conexão entre as duas vias é flexível e indireta.
Estas duas funções, geralmente, funcionam bem em conjunto e por isto é que podemos, à partida, localizar bem o objeto no espaço e pegar-lhe sem dificuldades pois criamos a perceção de onde se localizava em relação ao nosso corpo e o peso que teria. Ou seja, saber o que é o objeto influencia a forma de interagir com ele. Não é o mesmo pegar num pisa-papéis ou num ovo e se não combinássemos a perceção de espaço com a identificação do objeto era provável que esmagássemos o ovo ou não conseguíssemos levantar o pisa-papéis.
Referências bibliográficas:
SETH, Anil. Paula Caetano, O Cérebro em 30 segundos. Lisboa: Jacarandá, 2018.
A Visão Cegahttps://icnagency.com/wp-content/uploads/2019/02/NOVOS-ICN.jpg14001980Julien DiogoJulien Diogohttps://secure.gravatar.com/avatar/b2f50e47f187d7b4429139b3789ed7cf?s=96&d=mm&r=g
O cérebro e a visão: O que é a Visão Cega?
As investigações sobre este tipo de casos começaram com George Riddoch, um neurologista que estudou as defeciências visuais em soldados que sofreram lesões cerebrais durante a Primeira Guerra Mundial. Com base nesses estudos criou o Síndrome de Riddoch que se carateriza por persistência simples da perceção de movimento no campo visual anóptico, sem a capacidade de determinar qualquer outro atributo do estímulo ou objeto que se move. Os nomes “neurológicos” destes sintomas são: gnosopsia, a consciência de ter visto algo; gnosanopsia, a consiência de que algo aconteceu no campo visual, sem se capaz de descrever o quê; e agnosopsia, a capacidade de discriminar corretamente sem manifestação da consciência de faze-lo. Isto significa que o cortex visual primário (V1) não é fundamental para a percepção consciente da visão.
Larry Weiskrantz, psicologo britânico, membro da Academia Nacional de Ciência dos EUA e da Academia Europaea, criou o conceito de Visão Cega. A Visão cega é a capacidade de reconhecer objetos num ambiente mesmo sem ter a consciência de os conseguir ver. O efeito ocorre em cegueiras corticais, onde o cérebro consegue processar informações que os olhos recebem. O cego é capaz, se for treinado, de reconhecer cores e expressões faciais.
A visão cega justifica-se pelo facto de existirem muitas vias que ligam os olhos ao cérebro, no caso dos humanos cerca de uma dezena. Então, uma lesão cerebral pode afetar apenas uma via aleatória. Caso a via afetada seja a via principal que envolve o córtex – importante para distinguir pormenores e que está estreitamente ligada à experiência consciente da visão – isto levará à chamada visão cega.
Este tipo de visão é possível devido ao facto de o cérebro ver coisas que “nós” ainda não vimos. Isto porque existem duas vias diferentes no cérebro:
Via de visão rápida (através do colículo superior) que move os olhos;
Via de visão lenta (através do córtex) que consegue detetar os pormenores do que estamos a ver.
Estudo sobre visão cega – Como pessoas com visão cega conseguem desviar-se de obstáculos e reagir a emoção em rostos?
Beatrice de Gelder e os seus colegas mostraram que o mesencéfalo (região do subcórtex onde se situa o colículo superior) é essencial na associação de um sinal visual que não pode ser conscientemente percebido em uma ação. Nestes testes, pede-se a um paciente que aperte um botão enquanto se mostra um quadrado do lado que ele vê. Algumas vezes, mostra-se um quadrado ao mesmo tempo no seu lado cego. Algumas vezes usam-se quadrados cinzentos e noutras, roxos. Escolheu-se um tom de roxo que apenas um tipo de cone (célula responsável pela captação das cores no olho) deteta, sabendo que o colículo superior não recebe informações daquele tipo (ele é insensível a essa cor).
Um quadrado cinza do lado cego do paciente acelerou a sua resposta e fez com que as suas pupilas se contraíssem mais – sinal de processamento do estímulo – enquanto um quadrado roxo não causou efeito. Ou seja, ele exibiu a visão cega durante o estímulo cinza mas não para o roxo. Mapeamentos cerebrais mostraram que o seu colículo superior tinha uma atividade mais forte no estímulo cinza no lado cego. Essas descobertas mostram que o colículo superior atua no cérebro humano como uma interface entre o processamento sensorial (visão) e o processamento motor (que leva à reação do paciente), contribuindo assim para o comportamento visualmente guiado envolvendo o córtex e totalmente fora da experiência visual consciente.
A visão cega acontece, então, quando uma pessoa responde a estímulos visuais que pode “ver” com os olhos, mas que, devido a lesões, o seu córtex visual primário não consegue traduzir para o cérebro. Isto porque as pessoas com essa condição podem perceber os estímulos visuais, inconscientemente, por outras áreas do cérebro que ainda são capazes de interpretar estímulos visuais.
Referências bibliográficas:
SETH, Anil. Paula Caetano, O Cérebro em 30 segundos. Lisboa: Jacarandá, 2018.